O que a eleição da Argentina tem a dizer sobre o Brasil?
- Ana Vitória Dumbá
- 18 de nov. de 2023
- 5 min de leitura
A rejeição como pilar das campanhas.

Javier Milei e Sergio Massa (Luis Robayo/AFP).
Os argentinos irão às urnas no próximo domingo, dia 19 de novembro, para decidir quem será o próximo presidente.
O país, como não é novidade, está afundado em uma crise que já vem de décadas. A inflação anual de 138% preocupa o povo argentino e a pauta econômica tomou protagonismo (como sempre).
Para a disputa, duas lideranças surgiram do primeiro turno: o candidato da situação e atual Ministro da Fazenda Sergio Massa, do partido Unión por la Patria, e o deputado Javier Milei, do partido La Libertad Avanza.
O peronista Massa surpreendeu a todos (ou quase todos) ao sair na frente no primeiro turno no dia 22 de outubro. O espanto nos leva a uma pergunta:
Como é possível que, em uma eleição em que o contexto de crise econômica seja tão relevante e paute o debate, justamente o ministro da economia seja o favorito?
O ponto principal é que a disputa na Argentina é uma disputa de rejeições, assim como foi no Brasil em 2018 e 2022. Não é exatamente que Massa seja o favorito como disse anteriormente, a verdade é que ele é o menos reprovado!
Ambos os candidatos desagradam fortemente uma boa parte da população. Sergio Massa é o candidato da continuidade, do peronismo, que similar ao petismo no Brasil, gera uma repulsa gigantesca a milhões de eleitores. Já Milei é o candidato da oposição, que busca uma cisão na relação entre o país e o peronismo, o que também atrai a rejeição de parte da população. É a figura do político influencer que veio para combater os grandes grupos (a “casta política”), com um plano econômico bem controverso e falas radicais que afastam grande parte dos argentinos.
Massa se apresenta enquanto um peronista renovado, anti-kirchnerista, que prega responsabilidade fiscal. Pretende aumentar as receitas e diminuir as despesas. Isto é, reduzir as políticas sociais e enxugar o serviço público. Logo, um candidato de centro.
Milei, segundo ele próprio, é um “liberal libertário” e, por isso, propõe a dolarização da economia, extinguir o Banco Central, intensas privatizações e outras propostas alinhadas ao posicionamento direitista.
Quanto a isso, o que queremos destacar é que os dois candidatos não apresentam ideias econômicas completamente opostas, não se trata de uma disputa entre direita e esquerda. Não há, por exemplo, a discussão de estatização versus privatização. O que os diferencia está justamente no tom da campanha, quais bandeiras representam, o radicalismo e pautas morais. Massa se apresenta como o candidato moderado e menos polêmico. Milei se posiciona como um super-herói que saiu de uma campanha publicitária.
É quase impossível não realizar um paralelo do contexto atual da Argentina com as eleições brasileiras de 2018. Os personagens e as posições que ocupam são similares. De um lado, Massa, herdeiro de um movimento político antiquíssimo que carrega consigo uma enorme rejeição devido à escândalos políticos recentes e crises financeiras, tal qual o petismo no Brasil. Além disso, Sergio Massa conduz o debate em um tom mais “acadêmico” e ponderado, assim como Fernando Haddad (PT) em 2018.
De outro, Javier Milei, figura relativamente que apresentava baixa expressão política até poucos anos, garantiu sua ascensão utilizando-se das redes sociais para conquistar audiência. Possui gigantesca habilidade de se comunicar com a juventude e com os desgostosos. É o clássico outsider. Explora o sentimento de anti-política e se propõe a fazer o novo, o diferente.
Ao mesmo tempo, por suas falas agressivas e radicais afasta tanto o eleitor mais moderado quanto o progressista, que vê em Milei o retrocesso social, a ameaça à democracia e aos direitos conquistados.
O que nos leva a concluir que o principal motor das campanhas é a rejeição!
Ambas as campanhas não estão pautadas na autopromoção, e sim na aversão ao candidato oposto.
As pesquisas apontam mínimas vantagens para ambos os candidatos, a disputa está acirradíssima, sendo quase improvável que se faça uma previsão correta sobre quem será o próximo presidente.
Logo, no momento atual a campanha deve concentrar os seus esforços em primeiro, não perder eleitores, e segundo, conquistar o voto dos indecisos e os do adversário! No Brasil, por exemplo, a cientista política Malu Gatto, em entrevista à BBC News Brasil, constatou que as mulheres seriam decisivas para a vitória nas eleições de 2022. Assim, à medida que o dia do pleito se aproximava, as campanhas iam realizando ações destinadas a esse perfil específico de eleitor, ou melhor, eleitora.
O mesmo foi feito na Argentina. E aqui reforçamos a importância das pesquisas quantitativas e qualitativas. Entender a conjuntura e os “humores” do eleitor é essencial para realizar uma campanha que alcance bons resultados. Na reta final, atingir o alvo correto pode ser decisivo para o sucesso ou fracasso de uma candidatura, especialmente em contextos como o argentino, em que a margem, segundo as pesquisas, é mínima e o país está dividido.

Além disso, o uso de personalidades “não políticas” em campanhas é uma estratégia interessante para angariar votos. A cantora estadunidense Taylor Swift tem sido, talvez sem que ela mesma saiba, “cabo eleitoral” para Massa na Argentina. Com o lema “Swiftie não vota em Milei” e “#MileiÉTrump” os fãs da famosa tem mobilizado milhares de cidadãos em uma campanha nada convencional. Em momentos como esse, criatividade pode ser o diferencial para uma campanha vitoriosa.
Em campanhas para cargos majoritários, como esse de Presidente da República, e em cenários de “empate técnico", a campanha deve focar em defender o seu candidato como a melhor opção, mas ao mesmo tempo, indicar o porquê de o adversário ser a pior. Aqui precisamos pontuar um aspecto muito importante. Fazer uma campanha reafirmando o seu candidato em detrimento de outro não significa que mentiras e desinformação sejam estratégias a serem adotadas.
As campanhas de desinformação e de ódio, segundo Aline Osório, secretária-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “são capazes de afetar a competência dos cidadãos de tomarem decisões de forma consciente, desequilibrar a disputa e corroer a confiança social na integridade do processo eleitoral e na própria democracia”. Isto é, o recurso das fake news e a política do “lado B” são estratégias que existem, e nós sabemos disso. Não estamos aqui com inocência, ao contrário. Porém, é nosso papel reforçar sempre o compromisso com a disputa limpa, por eleições livres e justas.
Por fim, toda disputa é válida e deve ser estudada com atenção. Há quem diga que a eleição na Argentina pouco diz sobre o Brasil por serem países completamente distintos. Sim, de fato, o contexto importa, e muito. Entretanto, eleitor é eleitor em qualquer lugar do mundo e é sempre possível avaliar e trazer como aprendizado para a nossa realidade aqui no Brasil.
Como sempre, sigamos observando as movimentações.
Até breve!
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